A cooperação entre o Brasil e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) data do início da década de 1990, quando a OCDE começou a trabalhar com quatro países latino-americanos (Brasil, Argentina, Chile e México). Até então, o antecedente mais notável havia sido um convite apresentado ao Brasil, em 1978, para participar das atividades do Comitê do Aço, em função do peso expressivo do País no mercado siderúrgico mundial. Em junho de 1991, foi enviada missão exploratória à OCDE, chefiada pelo embaixador Clodoaldo Hugueney Filho. A missão teve os objetivos de obter mais informações sobre o funcionamento da OCDE, avaliar os contornos do processo de admissão de novos membros e identificar meios para participação do Brasil em instâncias da organização, como etapa inicial de processo que poderia culminar no ingresso do País como membro. Na ocasião, foi apresentada carta à OCDE, expressando o interesse do governo brasileiro em possibilidades de aproximação da organização.
Em 1992, o Brasil apresentou candidatura a membro pleno do Centro de Desenvolvimento, passando a integrar seu Conselho Diretor a partir de março de 1994. Após consultas internas abrangentes, o Brasil também passou a atuar como membro pleno do Comitê do Aço, a partir de 1996 (observando-se ratificação pelo Congresso Nacional, em 1998, do acordo por troca de notas relativo à matéria[1]). Em 1998, a OCDE criou um programa direcionado para o País. O Brasil participa do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, na sigla em inglês) desde o seu início, em 2000, e tem sido objeto dos Economic Surveys bienais da organização desde 2001.
Em 2005, desdobramento interno relevante consistiu no estabelecimento do Grupo Interministerial de Trabalho para Coordenação da Atuação Brasileira junto à OCDE (GIT), coordenado pelo Itamaraty. Em 2007, junto com África do Sul, China, Índia e Indonésia, deu-se início o período de “engajamento ampliado” com a OCDE. Em 2012, esses cinco países passaram a ser considerados “parceiros-chave” da organização.
Em 2015, o Brasil assinou um Acordo Marco de Cooperação, que institucionaliza a participação brasileira em diversos foros da organização e entrou em vigor em 2019. Além disso, também assinou um programa de trabalho para os anos 2016 e 2017, que nos aproximou ainda mais da OCDE, por meio da crescente participação do Brasil em temas de interesse estratégico do País. Esse movimento culminou com o pedido de acessão em 2017. No mesmo ano, assinou-se também acordo para a instalação de escritório da OCDE no Brasil, e o País passou a ser associado da Agência Internacional de Energia (AIE) – a acessão do Brasil à OCDE habilitaria o País a se tornar membro pleno dessa agência. Também em 2017, o Brasil deu início à formação de uma delegação permanente em Paris para a OCDE e outros organismos econômicos sediados na capital francesa, que, por ora, funciona como parte da Embaixada.
O Brasil é o país não membro com o maior número de adesão a instrumentos da OCDE. Até dezembro de 2023, o País já aderiu a 119 dos 267 instrumentos normativos vigentes, aproximadamente 44,5% do acquis, tendo aderido a mais de 80 desde a apresentação do pedido de acessão à organização. A adesão a outros instrumentos está em andamento, enquanto a adesão à totalidade do acquis necessitará de reformas em sistemas econômicos do País, entre os quais o tributário. A OCDE reconhece que as políticas brasileiras são possivelmente compatíveis com mais de 80% do acquis da OCDE. Essa é uma importante evidência da evolução institucional do país.
O Brasil também é o país não membro que participa de mais instâncias da OCDE (35). O País participa da organização com status de associado ou participante em comitês e fóruns de trabalho que envolvem os mais diversos temas (comércio, investimentos, defesa da concorrência, agricultura, segurança e economia digital), incluindo por exemplo o Comitê do Aço, o Fórum Global Tributário, a AIE e o Grupo de Trabalho sobre Suborno em Transações Comerciais Internacionais. Em 2019, o Brasil registrou-se para participar de quase 400 reuniões da OCDE em variados temas, o que aumentou nossa familiaridade com a agenda e facilitou a convergência. Em 2020, o Brasil aderiu ao Fórum Internacional de Transportes (IFT, na sigla em inglês) da OCDE como membro-observador e, em maio de 2023, tornou-se membro pleno.
Em 2019, foi instituído o Conselho Brasil-OCDE, coordenado pela Casa Civil, para acompanhar o processo de acessão do País à organização. A criação do Conselho Brasil-OCDE e seu comitê gestor, composto por representantes da Casa Civil, do Itamaraty, do então Ministério da Economia, da Secretaria Geral da Presidência da República e da Secretaria de Governo da Presidência da República, favoreceu o comprometimento de todo o governo com o processo. O conselho foi extinto pelo governo Lula e substituído, em agosto de 2023, pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) sobre a OCDE, coordenado pelo Itamaraty. Ao GTI-OCDE compete fornecer subsídios para a elaboração de políticas relativas ao relacionamento com OCDE, contribuir para a promoção das relações entre o Brasil e a OCDE e para a divulgação de estudos realizados no País, analisar estudos da OCDE e recomendar estudos acerca de temas específicos de interesse para as relações do Brasil com a OCDE, examinar a compatibilidade dos instrumentos da OCDE com a legislação brasileira, coordenar a participação brasileira em órgãos da OCDE e colaborar na organização de eventos da OCDE no Brasil e em outras iniciativas da OCDE que sejam de interesse do País. O Congresso Nacional, por sua vez, constituiu, em 2019, o Grupo Parlamentar de Amizade Brasil-OCDE, o que está facilitando considerar as referências e os marcos normativos da organização dentro do exercício legislativo.
Em 26 de janeiro de 2022, o Conselho de Ministros da OCDE aprovou o convite formal para iniciar as discussões de acessão do Brasil à organização. Em maio de 2022, o Conselho da OCDE aprovou convite ao Brasil para adesão ao Código de Liberalização de Movimentos de Capital e ao Código de Liberalização de Operações Correntes Intangíveis – instrumentos legais de grande importância para a entidade. Todos os membros da OCDE são aderentes e, desde 2012, está aberta a possibilidade de adesão por parte de não membros. O Brasil será o primeiro país não membro a aderir. Em 10 de junho de 2022, a OCDE aprovou o “roteiro de acessão” do Brasil. Em 30 de setembro de 2022, o Brasil entregou seu “Memorando Inicial”, com informações sobre a convergência do País aos 230 instrumentos normativos definidos pela OCDE para o processo de acessão do País.
Em junho de 2023, o chanceler Mauro Vieira participou da reunião do Conselho da OCDE em Paris. Também se encontrou bilateralmente com o secretário-geral da organização, que manifestou interesse em visitar o Brasil e convidou o País a participar do fórum lançado pela OCDE em matéria de meio ambiente e mudança do clima. O ministro Mauro Vieira participou da cerimônia de abertura do conselho e também do painel “Resiliência Econômica: políticas comerciais para crescimento resiliente e inclusivo”. Durante sua intervenção, destacou a sustentabilidade ambiental e a inclusão social como eixos de atuação do governo brasileiro a partir da posse do presidente Lula.
O principal ponto positivo, em termos domésticos, da acessão brasileira à OCDE seria o impulso à agenda de reformas e modernização da economia brasileira em curso, por meio do aperfeiçoamento regulatório e da melhoria da gestão governamental, ambos contribuindo para a redução do chamado “Custo Brasil”. Quanto ao aperfeiçoamento regulatório, trata-se de dar maior estabilidade e previsibilidade do quadro regulatório brasileiro, por meio do alinhamento com as boas práticas internacionais em políticas públicas e regulação, o que resultará em melhoria do ambiente de negócios e maior atratividade aos investimentos internacionais. Quanto à melhoria da gestão governamental, trata-se do fortalecimento e da modernização institucional, por meio da aceleração das reformas estruturais, com vistas ao aumento da eficiência, transparência e accountability (diante de problemas de corrupção) dos órgãos de governo, o que contribuirá para maior racionalidade e eficiência das políticas públicas brasileiras com base nas melhores práticas internacionais. Tudo isso não se esgota no processo de acessão, mas acompanhará toda a participação brasileira na organização, em razão dos procedimentos contínuos de peer reviews.
Os esforços em favor da acessão à OCDE também estão relacionados ao interesse na integração do País às cadeias globais de valor, de modo a incrementar a produtividade e competitividade da economia brasileira em benefício da nossa população. A entrada na OCDE também funciona como parte de estratégia de lock-in, de garantir que haja um empecilho de natureza internacional para que as reformas e seus propósitos sejam revistos futuramente em administrações subsequentes. Pode-se indicar, ainda, que as inovações institucionais e legais resultantes da adoção pelo Brasil da Convenção da OCDE sobre combate ao suborno de funcionários públicos estrangeiros em transações internacionais foram relevantes no contexto da Operação Lava Jato e outras ações de combate à corrupção no Brasil.
Entre os pontos positivos do Brasil na OCDE, em termos externos, pode-se destacar: a recuperação da imagem brasileira, depois de alguns anos de letargia nas relações exteriores e de resultados econômicos inexpressivos, e a obtenção de benefícios associados à avaliação externa positiva sobre o País e seu comprometimento com políticas transparentes e boas práticas internacionais, o que contribuirá para redução do custo de financiamento externo; a atração de investimentos estrangeiros que seria decorrente não apenas da agenda de modernização, mas do próprio fato de ser membro da OCDE, o que lhe conferiria um “selo de qualidade”, aumentando o grau de investimento do País – apesar das críticas que se possa fazer às agências de rating – e reduzindo os custos de captação tanto das emissões soberanas quanto das empresas brasileiras no exterior; e a capacidade de tornar-se um rulemaker de padrões e recomendações internacionais em diferentes áreas, em uma organização que é agenda-setter global (influenciando os trabalhos de organizações de caráter multilateral inclusive), além de poder ter participação mais ativa para defender seus interesses e suas políticas públicas.
O Brasil será o maior mercado emergente a ter governança e legislação econômicas compatíveis com os padrões exigentes da organização. Como efeito positivo, espera-se que o ingresso do Brasil na OCDE facilite o acesso do País ao mercado de capitais a juros menores, pelo aumento da confiança do sistema financeiro internacional advindo do “selo de qualidade”. A título ilustrativo, estima-se que uma queda de 0,1 ponto percentual no serviço da dívida pode significar uma economia de pelo menos US$ 4 bilhões a cada ano para a economia brasileira.
No que diz respeito a pontos negativos da acessão do Brasil à OCDE, de caráter interno, pode-se indicar efeitos sobre a atividade do Legislativo (“limitação do policy space”, também aplicável ao Executivo em suas políticas e programas), no que diz respeito à necessidade de conformar marcos normativos domésticos a acordos e padrões da OCDE, em especial adiante da rapidez com que tais reformas podem estar sendo implementadas à luz de pressões em favor da acessão. Em momento de grandes restrições orçamentárias, o custo da acessão – não apenas o pagamento das contribuições anuais à OCDE, mas o custo orçamentário da agenda de reformas que a acessão demanda e os custos em recursos humanos – poderia ter impactos negativos sobre as finanças públicas. As negociações para a acessão têm custos, que serão arcados pelo Brasil. Depois, se for membro pleno, o País terá de contribuir anualmente para o orçamento da organização. O orçamento da OCDE é dividido em contribuições obrigatórias, que levam em conta, nos cálculos, o tamanho do produto interno bruto (PIB) de cada país-membro, e contribuições voluntárias.
Como parceiro-chave, o Brasil já tem acesso a todos os órgãos da OCDE; pode aderir voluntariamente a instrumentos da OCDE; está integrado nos seus sistemas de informação e estatísticas; participa de revisões sobre setores específicos; além de ter sido convidado para todas as reuniões ministeriais da organização desde 1999. Nota-se assim que o País, enquanto uma nação ainda em desenvolvimento, já desfruta de uma posição privilegiada no relacionamento com a OCDE, de modo que a acessão poderia ser considerada mais uma escolha ideológica do que uma necessidade estratégica. Em paralelo, atualmente, como parceiro-chave, ao participar de comitês e atividades, o Brasil paga pelos custos desta participação e, desta forma, tem sido uma importante fonte de recursos para os trabalhos da OCDE, ainda que não seja um contribuinte regular.