O Brasil é parte da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC, na sigla em inglês), único instrumento anticorrupção universal legalmente vinculante. Assinada em Mérida (México) e adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) em outubro de 2003, pela Resolução 58/4, a convenção possui atualmente 190 partes, incluindo a União Europeia (UE)[1]. O Brasil assinou a UNCAC em dezembro de 2003 e ratificou-a em 2005, sem reservas, tendo-a promulgado no ano seguinte. A convenção é composta por 71 artigos, divididos em oito capítulos. Os mais importantes estão reunidos em quatro capítulos e tratam dos seguintes temas: medidas preventivas[2], penalização[3], cooperação internacional[4] e recuperação de ativos[5]. São esses os capítulos que requerem adaptações legislativas ou ações concomitantes à aplicação da convenção em cada país.
A Conferência dos Estados Partes (COSP, na sigla em inglês)[6] é o principal órgão de elaboração de políticas da convenção, apoiando os Estados Partes e signatários em sua implementação da UNCAC e dando orientação política ao Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês) para desenvolver e implementar atividades anticorrupção. A implementação efetiva da convenção na legislação nacional pelos Estados Partes é avaliada através de um processo de revisão por pares, o Mecanismo de Revisão da Implementação (IRM, na sigla em inglês)[7]. O Brasil, até o momento, passou por dois ciclos de revisões. O primeiro, referente aos capítulos III (Penalização e Aplicação da Lei) e IV (Cooperação Internacional) da convenção, ocorreu em 2011 e teve o México e o Haiti como países revisores. O segundo, referente aos capítulos II (Medidas Preventivas) e V (Recuperação de Ativos), ocorreu em maio de 2022, tendo o México e Portugal como revisores.
Em 2023, no contexto da celebração dos vinte anos da UNCAC, a primeira conferência global sobre a utilização de dados para a melhoria da mensuração da corrupção foi realizada em Viena. O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinícius de Carvalho, participou do evento, que foi organizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e pela Academia Internacional Anticorrupção (IACA). O tema tem como antecedentes uma resolução de 2019, adotada pela COSP da UNCAC, sobre mensuração da corrupção. No âmbito do G20, também foi elaborado um compêndio de Boas Práticas sobre Mensuração da Corrupção, em 2021. O assunto também é tratado pelo Programa Global de Mensuração da Corrupção da IACA.
Para apoiar os esforços dos Estados Partes em implementar plenamente a convenção, o UNODC oferece assistência técnica em várias áreas temáticas relacionadas à corrupção, tais como prevenção, educação, recuperação de bens, integridade no sistema de justiça criminal, etc. Ainda no âmbito da ONU, a 32ª Sessão Especial da AGNU (UNGASS, na sigla em inglês), em junho de 2021, teve a corrupção como tema.
O Brasil também assinou e ratificou, em 2000, a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Criada em 1997, a convenção possui 45 partes, incluindo todos os membros da OCDE mais Argentina, Brasil, Bulgária, Peru, Romênia, Rússia e África do Sul. O principal objetivo da convenção é prevenir e combater o delito de corrupção de funcionários públicos estrangeiros na esfera de transações comerciais internacionais. A convenção trata, majoritariamente, da adequação da legislação dos Estados signatários às medidas necessárias à prevenção e combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros no contexto do comércio internacional. Foi o primeiro instrumento internacional anticorrupção focalizado no “lado da oferta” do suborno. De acordo com a própria OCDE, após a entrada em vigor da convenção, houve um incremento no número de investigações e condenações nos Estados Partes pelo cometimento de atos de corrupção de funcionários públicos estrangeiros.
A convenção determina que os Estados signatários criminalizem o oferecimento, a promessa ou a concessão de vantagem indevida, pecuniária ou de qualquer outra natureza, a funcionário público estrangeiro que, direta ou indiretamente, por meio de ação ou omissão no desempenho de suas funções públicas, realize ou dificulte transações na condução de negócios internacionais[8]. A convenção dispõe ainda sobre a responsabilização de pessoas jurídicas.
Para garantir a eficácia dos termos da convenção, os Estados realizam uma avaliação por pares de maneira sistemática, coordenada pelo Grupo de Trabalho (GT) sobre Suborno em Transações Comerciais Internacionais da OCDE[9], responsável por monitorar a adoção de medidas para implementação da convenção nos países signatários[10]. Esse GT foi criado em maio de 1994 pelo Comitê sobre Investimento Internacional e Empresa Internacional da OCDE, é composto por especialistas na matéria e se reúne quatro vezes por ano, em Paris, para monitorar o cumprimento da convenção em todos os Estados Partes. Em outubro de 2023, foi publicado relatório final da quarta fase de avaliação da situação do Brasil, em que a OCDE destaca parcerias, a reestruturação da CGU, criação da Secretaria de Integridade Privada e investigações de suborno estrangeiro, mas também faz recomendações em matéria de suborno estrangeiro e avaliou que faltou imparcialidade ao juiz e aos promotores envolvidos na Lava Jato.
Em seu relatório sobre a situação do Brasil em termos de integridade pública, no âmbito do Grupo de Trabalho de Altos Funcionários sobre Integridade Pública (SPIO, na sigla em inglês) a OCDE aponta que o País avançou com a criação do Sistema de Gestão Ética do Poder Executivo Federal, integrado por comissões como a Comissão de Ética Pública, vinculado à Casa Civil, bem como a Secretaria de Transparência e Prevenção à Corrupção, ligada à CGU, que implementou um programa de integridade, em 2017. No entanto, a Organização indicou também desafios, como riscos de sobreposição entre Casa Civil e CGU e entre as Diretorias de Promoção de Integridade e de Prevenção da Corrupção, da CGU.
O G20 criou, na Cúpula de Toronto (2010), um GT sobre cooperação internacional, transparência, recuperação de ativos e integridade: GT Anticorrupção. Dele participam, de modo permanente, os os integrantes do G20, a Espanha, Singapura e a Suíça. Os temas de competência do GT vem sendo, ademais, objeto de declarações de líderes, estudos, relatórios e diretrizes do G20. O GT é presidido pela presidência rotativa do G20. A cada ano, ele origina princípios, diretrizes e análises específicas para países, além de formular planos de ação plurianuais – em geral, bienais – que seguem a “moldura estratégica de Pittsburgh”. Essa moldura estabelece que os planos devem, no mínimo, encorajar as partes a ratificar a UNCAC; a participar do GT da OCDE; e a cooperar com a sociedade civil e empresarial. O GT incentiva a adoção de códigos de conduta, bem como medidas de fomento à transparência e integridade e de combate à lavagem de dinheiro e ao suborno, por meio de legislações internas. Para tanto, o GT coopera com entidades como o Banco Mundial, o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), o B20 (comunidade empresarial) e o C20 (sociedade civil).
O atual plano de ação anticorrupção do G20 (2022-2024) estabeleceu uma agenda baseada em três pilares. Primeiro, a implementação dos compromissos do G20, como a utilização do relatório de prestação de contas para aprofundar a implementação de leis domésticas aderentes aos objetivos do G20. Segundo, o fomento a parcerias e à competição, por meio de medidas como trocas de informações entre especialistas e o estímulo à concorrência em compras públicas. Terceiro, a identificação de novos desafios, como a necessidade de criar indicadores para mensurar a corrupção; de aprofundar a compreensão da ligação entre gênero e corrupção; e de prevenir o uso de fluxos de comércio e investimento em favor da corrupção.
No âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), a Convenção Interamericana Contra a Corrupção (1996) prevê medidas para a prevenção, detecção, investigação e punição de atos de corrupção, bem como para a recuperação dos lucros da corrupção. Esse instrumento definiu corrupção de uma forma abrangente – corrupção ativa e passiva direta e indireta – e serve de base para processos de extradição de indivíduos envolvidos em atos de corrupção, inclusive nos casos em que os Estados Partes possuam tratados bilaterais de extradição. A convenção foi ratificada por 34 Estados (com exceção de Cuba), e o Brasil fez uma reserva (Artigo XI, 1, c) ao depositar seu instrumento[11]. A autoridade brasileira encarregada pelo tema é o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A Resolução 1784/2001 da Assembleia da OEA (AG-OEA) estabeleceu, por sua vez, um mecanismo de monitoramento de implementação da convenção de 1996, consagrado em seu anexo (“Relatório de Buenos Aires”). Esse anexo estabelece que o Mecanismo de Seguimento da Implementação da Convenção Interamericana contra a Corrupção (MESICIC) é integrado pelos Estados Partes, sendo composto por dois órgãos, a Conferência dos Estados (político), que publica as diretrizes para cooperação hemisférica, e o Comitê de Especialistas (técnico), que afere a implementação da convenção, contando, para tanto, com a cooperação dos Estados, que preenchem voluntariamente formulários enviados pelo Comitê. O Comitê remete seus relatórios à Conferência, que os publica. Em 2018, por exemplo, o relatório do comitê sobre o Brasil aferiu a implementação de disposições da convenção relativas a itens como contratação de funcionários públicos e proteção de denunciantes (whistleblowers), temas que foram objeto de uma lei de 2016 que extinguiu cargos de confiança e de um projeto de lei, respectivamente. O MESICIC está em sua sexta rodada, e o Brasil deverá ser monitorado entre 2024 e 2025 no âmbito dessa rodada.
A Cúpula das Américas de Lima (2018), além disso, em sua declaração de líderes, reafirmou o compromisso hemisférico com a governança democrática, a proteção de denunciantes, a transparência, o estímulo a sistemas íntegros de financiamento de campanhas, a cooperação contra a lavagem de dinheiro e o desenvolvimento de sistemas de contratação pública idôneos.
Por meio da Decisão nº 29/02, o Conselho Mercado Comum (CMC) do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) referendou, entre outros acordos, os acordos nº 17/2002 e nº 18/2002, sobre combate à corrupção nas fronteiras entre os Estados Partes do bloco e entre os Estados Partes, a Bolívia e o Chile, respectivamente, adotados na XXII Reunião de Ministros de Interior do MERCOSUL, da República da Bolívia e da República do Chile. A Decisão nº 21/2019 do CMC, por sua vez, orientou o Grupo Mercado Comum (GMC) a estabelecer um plano de ação de combate à corrupção, com mecanismos de cooperação técnica e jurídica, bem como troca de informações e de experiências. O mandato para elaboração desse plano foi anunciado pelos Estados Partes em comunicado conjunto da Cúpula do Vale dos Vinhedos (2019), ao término da presidência pro tempore brasileira.
Na LIX Cúpula de Chefes de Estado do MERCOSUL e Estados Associados, realizada em Montevidéu, em 2021, os países do bloco adotaram o Acordo do MERCOSUL para Prevenção da Corrupção no Comércio e nos Investimentos Internacionais. Esse projeto, aprovado pelo CMC em abril de 2022, busca padronizar o tratamento conferido ao combate à corrupção em transações internacionais e faz referência a instrumentos do bloco, como o Protocolo de Las Lenãs. Esse acordo foi efetivamente assinado em 6 de julho de 2022, mas foi ratificado somente pela Argentina até dezembro de 2023. Sua vigência ocorrerá 60 dias após a ratificação do tratado por ao menos dois de seus signatários.
Entre os países do BRICS, destaca-se o GT sobre Combate à Corrupção (2015), sendo presidido por cada presidência de turno do agrupamento. Esse GT foi relembrado no comunicado emitido durante a primeira reunião ministerial sobre corrupção de 2022 dos BRICS. Nele, as partes reconhecerem a UNCAC como moldura fundamental sobre o tema do combate à corrupção, em eixos como paraísos fiscais, recuperação de ativos e cooperação internacional. Nesse comunicado, as partes também reiteraram o compromisso com medidas como a troca de informações; compartilhamento de boas práticas; desenvolvimento de mecanismos internos de controle; adoção de medidas civis, administrativas e penais de prevenção e punição de atos de corrupção, bem como implementação dos padrões do GAFI para combate ao terrorismo e à corrupção. Em 2022, teve lugar, ainda, um workshop sobre combate à corrupção, que reuniu 60 participantes de governos empresas e instituições de ensino dos países do BRICS. Nesse evento, debateu-se a interface entre os temas do combate à corrupção e do desenvolvimento econômico.
Na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) se destaca a Rede de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, criada por decisão unânime dos Procuradores-Gerais no XVI Encontro de Procuradores-Gerais da CPLP, que ocorreu em Brasília (2018). Seus objetivos são favorecer o intercâmbio de informações entre os Ministérios Públicos sobre legislações e iniciativas nacionais; fomentar a estruturação de um quadro normativo e institucional para o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro nos países da Comunidade; e estabelecer pontos de contato e encontros periódicos no âmbito da Rede com o objetivo de discutir temas específicos. A coordenação da Rede é assegurada pelo Ponto de Contato do Ministério Público do Brasil.
No que diz respeito à cooperação entre América Latina e Caribe, a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) costuma organizar reuniões ministeriais e emitir declarações sobre luta contra a corrupção. A 5ª Reunião de Ministros e Altas Autoridades de Prevenção e Luta contra a Corrupção foi realizada no México, em 2021.