Definição

Para definir o que é diplomacia cultural, é importante estabelecer alguns conceitos básicos. Fora de parâmetros antropológicos, é possível considerar que cultura de um país é o conjunto de sua produção artística (literatura, música, artes plásticas, cinema etc.) que conformam uma unidade identitária própria. “Diplomacia cultural” ou “diplomacia da cultura” é a utilização da cultura como estratégia de inserção internacional de um país por meio de ações simbólicas, dentre as quais a difusão do aprendizado da língua nacional.

Nesse contexto, o universo da diplomacia cultural poderia abranger os seguintes temas ou ideias, entre outros: intercâmbio de pessoas; promoção da arte e dos artistas; ensino e difusão da língua, como veículo de valores; distribuição integrada de material de divulgação; apoio a projetos de cooperação intelectual; apoio a projetos de cooperação técnica; integração e mutualidade na programação. Esses parâmetros, mais amplos, receberão variações que dirão respeito às realidades de cada país (e que refletirão suas prioridades nesse campo, bem como questões de disponibilidade de recursos).

Dentro da busca de identificação de possíveis vinculações entre cultura e política externa, também é possível estabelecer distinção entre os conceitos de relação cultural internacional e diplomacia cultural. Considera-se que as relações culturais internacionais têm por objetivo desenvolver, ao longo do tempo, maior compreensão e aproximação entre os povos e instituições em proveito mútuo, ao passo que a diplomacia cultural, por sua vez, seria a utilização específica da relação cultural para a consecução de objetivos nacionais de natureza não somente cultural, mas também política, comercial ou econômica.

Gênese da diplomacia cultural brasileira

No caso do Brasil, a cultura é historicamente fundamental para a política externa. A cultura brasileira já se encontra difundida mundialmente, e referências musicais, como a Bossa Nova ou, ainda, futebolísticas, como o pentacampeonato da Copa do Mundo de futebol, servem ao propósito de situar o Brasil no imaginário do público externo, o que tem efeitos majoritariamente positivos, ainda que, por vezes, redunde na reprodução de estereótipos.

É possível tratar as ações culturais na história diplomática do Brasil, com maior grau de institucionalização, desde pelo menos a década de 1930. Desde os tempos de Império se questionava a imagem do Brasil no exterior. Bruno Miranda Zétola[1] chama esse período “pré-história” da diplomacia cultural brasileira, indicando como exemplo de iniciativas as missões francesa e austríaca, bem como a revista Niterói, elaborada por dois diplomatas e um futuro servidor do Itamaraty (respectivamente, Gonçalves de Magalhães, Torres Homem e Araújo Porto Alegre), e os convites de D. Pedro II a grandes figuras europeias para ajudar a projetar a identidade nacional no contexto da criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB, 1838). Até 1920, iniciativas de diplomacia cultural seriam quase exclusivamente fruto de ações individuais, como a promoção de turnê dos Oito Batutas, em Paris, por parte do ex-ministro Lauro Müller. Naquele ano, a reforma administrativa de José Manuel de Azevedo Marques incluiu, entre as atribuições de chefes de missão, a promoção de missões intelectuais em benefício do País. Outra iniciativa que merece destaque é a participação do Brasil nas ações do Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (IICI), fundado em 1924 por iniciativa da França e sob o patrocínio da Liga das Nações. A colaboração do país com o instituto começou em 1925, com a criação de uma Comissão Brasileira de Cooperação Intelectual, que foi pouco a pouco sendo colocada sob a tutela do Itamaraty. Entretanto, seria apenas após o fim da Primeira República que haveria políticas sistemáticas de difusão da cultura brasileira.

É possível tratar das ações culturais na história diplomática do Brasil desde pelo menos a década de 1930. Desde os tempos de Império se questionava a imagem do Brasil no exterior, mas seria apenas após o fim da Primeira República que haveria políticas sistemáticas de difusão da cultura brasileira. Nas iniciativas esparsas antes de 1930, é possível citar a participação do Brasil nas ações do Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (IICI), fundado em 1924 por iniciativa da França e sob o patrocínio da Liga das Nações. A colaboração do país com o Instituto começou em 1925, com a criação de uma Comissão Brasileira de Cooperação Intelectual, que foi pouco a pouco sendo colocada sob a tutela do Itamaraty.

A institucionalização da cultura na estrutura do Ministério das Relações Exteriores iniciou-se em 1934, com a criação do Serviço de Expansão Intelectual, que estabeleceu, efetivamente, metas e objetivos para uma “diplomacia da cultura”. O Serviço de Expansão Intelectual buscava “fazer discretamente a propaganda dos valores literários do Brasil no estrangeiro, tirando-se, o mais que possível, o caráter ostentatório de ‘propaganda oficial’ aos trabalhos”. Em 1937, a iniciativa foi substituída pelo Serviço de Cooperação Intelectual (SCI), mudança promovida pelo então ministro da Educação e da Saúde, Gustavo Capanema, que visava a uma ampla e intensa campanha de propaganda e de cooperação intelectual, calcada nos modelos de Itália, Rússia, Alemanha e Portugal. Na mesma época, Capanema propôs subvencionar o Instituto Franco-brasileiro de Alta Cultura Científica e Literária, o Instituto Luso-brasileiro de Alta Cultura, o Instituto Germano-brasileiro e o Instituto Ítalo-brasileiro de Alta Cultura. O Serviço, convertido em Divisão de Cooperação Intelectual (DCI) do Itamaraty em 1938, buscava “atender ao expediente do Ministério das Relações Exteriores na parte referente às relações culturais com os outros países, à difusão da cultura brasileira e à divulgação de conhecimentos úteis sobre o nosso país nos principais centros estrangeiros”, mas o esforço ainda era tímido diante da falta de orçamento autônomo e da falta de coordenação com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em 1939 e que respondia diretamente ao gabinete de Getúlio Vargas[2].

Apesar de a Europa ter sido o primeiro alvo da diplomacia cultural brasileira, a América Latina ocupou um lugar cada vez maior no dispositivo posto em prática pelo Itamaraty nos anos 1930, com a assinatura de numerosos acordos de cooperação intelectual. Dessa forma, o Brasil pretendia evitar a formação de um bloco hispano-americano que lhe fosse hostil, bem como assegurar a sua liderança sobre o subcontinente. Apresentando-se como um intermediário entre a Europa e a América, o País procurava se colocar na posição de líder entre seus pares. Também é possível mencionar a reação brasileira à Política da Boa Vizinhança, dentro da ideia do reforço da “equidistância pragmática”; nessa época, Ásia e África não foram definidas como alvos da diplomacia cultural brasileira.

Atenção especial em relação a Portugal foi um dos esforços feitos pelo SCI, desde sua criação, para difundir o português falado no Brasil. Nesse sentido, esteve presente o “modelo” francês de diplomacia cultural segundo o qual a língua é um instrumento incontornável para conhecer uma cultura. Esse tropismo em face de Portugal, esse interesse demonstrado pela língua portuguesa, deve ser lido nos termos do debate sobre identidade nacional que agitava os intelectuais brasileiros desde os anos 1920. Destaca-se a existência de uma dicotomia entre os conteúdos valorizados pela política externa – que correspondiam globalmente à cultura erudita – e os elementos da cultura popular privilegiados pelo Estado Novo no cenário nacional – como o samba, o carnaval, o futebol ou a feijoada.

No contexto da Segunda Guerra Mundial, a diplomacia cultural era parte da estratégia de convencimento e de consecução de interesses e objetivos econômico-comerciais. Exemplo disso foi a exposição de artistas modernistas brasileiros realizada em Londres, em 1944, na qual foram exibidas mais de 300 obras (pinturas e fotografias) para um público de cem mil pessoas. A exposição foi vista por diplomatas ingleses como ferramenta diplomática, ou de soft power[3], do Brasil, no contexto de seu engajamento direto no conflito mundial, considerando-se que todos os fundos obtidos com os ingressos foram revertidos em doações à Força Aérea Real Britânica.

Diplomacia cultural após 1945

Após 1945, a política cultural do Brasil para o exterior desenvolveu-se de forma rápida, ganhando o nome de “divulgação cultural”. O Itamaraty também passou a estimular a participação de intelectuais brasileiros em postos diplomáticos no exterior, chegando a apontar o escritor Érico Veríssimo como adido cultural na Organização dos Estados Americanos (OEA). Durante o período entre 1945 e 1980, a diplomacia cultural brasileira desdobrou-se em três direções:

  1. fortalecimento institucional da diplomacia cultural, como consequência do reconhecimento de sua importância junto às instâncias políticas nacionais;
  2. crescimento da presença da cultura popular na diplomacia cultural brasileira; e
  3. diversificação dos destinatários, sejam espaços ou públicos em questão.

Em consequência do aumento da relevância da diplomacia cultural dentro do Ministério das Relações Exteriores, houve sucessivas reformas nesse período. Em 1946, foi criada a Divisão Cultural do Itamaraty (DCI), subordinada ao Departamento Político, Econômico e Cultural, cujas competências passavam a compreender os acordos de cooperação técnica e científica, além da difusão da língua portuguesa, das artes, das letras e da música brasileiras no mundo. Na década de 1950, foram criados os primeiros Centros Culturais do Brasil (CCBs), muitos deles chefiados por artistas brasileiros. A partir de 1961, a diplomacia cultural brasileira foi estruturada de maneira ainda mais sistemática, com a criação do Departamento Cultural e de Informações (DCInf), antecessor do Departamento Cultural e Educacional (DCED). O DCInf era composto de três divisões: Divisão de Cooperação Intelectual (DCInt), Divisão de Difusão Cultural (DDC) e Divisão de Informações (DI). Em 1968, a DI foi anexada à Secretaria Geral do Itamaraty, e o DCinf transformou-se no Departamento de Cooperação Cultural, Científica e Tecnológica (DCT); em 1978, foi criada a Divisão de Divulgação (DDI), que buscava “promover a realidade brasileira no exterior com ênfase nos assuntos do cinema e da televisão".

Não apenas ao Itamaraty estava restrita a promoção da cultura brasileira. A competência foi submetida a outras instâncias, como o Ministério da Educação e da Cultura e o Conselho Federal da Cultura, fundado em 1967 com a finalidade de definir a política cultural do Brasil por meio de campanhas nacionais e intercâmbios internacionais. A multiplicidade de atores implicados na definição da diplomacia cultural mostra uma vontade crescente entre as elites intelectuais e políticas brasileiras de promover a cultura nacional no exterior, algo independente da ruptura política ocorrida em 1964.