O fim do Império e a proclamação da República trouxeram consigo mudanças em relação aos privilégios monárquicos. Assim, a Constituição de 1891 declarou que “todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho” (artigo 72, parágrafo 2º). Entretanto, ao regular o direito ao voto, a Constituição foi silente quanto ao voto feminino, afirmando apenas que eram eleitores todos os cidadãos maiores de 21 anos que se alistassem, na forma da lei. Contudo, interpretadores e aplicadores do texto constitucional entenderam que as mulheres estariam implicitamente excluídas do sufrágio universal. Quanto ao acesso aos cargos públicos, o texto também não fez nenhuma distinção explícita. No entanto, o Código Civil de 1916 determinava a necessidade de autorização do marido para que uma mulher pudesse exercer cargo público. Ainda que estabelecesse a igualdade entre homens e mulheres, o texto de 1916 se limitava a uma igualdade formal.
Para as provas do concurso de admissão à carreira diplomática de 1918, o Decreto nº 12.998, de 24 de abril do mesmo ano, determinou que os candidatos deveriam “ter de 18 a 35 annos de idade; ter bom procedimento; não soffrer molestia contagiosa; ter sido vaccinados”. Ao ver o concurso noticiado no jornal, a baiana Maria José de Castro Rebello Mendes buscou a opinião de Rui Barbosa sobre a possibilidade do acesso feminino a cargos públicos. Em sua resposta, Barbosa afirmou “não haver na legislação pátria dispositivo algum que incapacitasse as mulheres para o exercício de funções administrativas”. Apesar do parecer favorável, ela somente conseguiria prestar os exames após despacho do chanceler Nilo Peçanha autorizando sua inscrição no concurso, não sem antes desencorajar a ambição da jovem[1].
Aprovada em primeiro lugar no concurso de 1918, Maria José de Castro Rebello Mendes tornou-se a primeira funcionária pública e a primeira diplomata do Brasil, ao ser nomeada para o cargo de terceiro oficial da Secretaria, o equivalente aos atuais terceiros-secretários. Oito anos depois, em 1926, mais duas mulheres juntaram-se a Maria José: Wanda Vianna Rodrigues e Celina Porto Carrero. Ambas já trabalhavam no Itamaraty em outras funções e foram nomeadas para o mesmo cargo de terceiro oficial. Na época, era comum a nomeação de funcionários sem a necessidade de seleção oficial. Wanda Vianna tornou-se a primeira mulher a servir como diplomata no exterior, opção que Maria José não teve após casar-se com um colega de profissão e ser obrigada a licenciar-se de seu cargo para acompanhá-lo em uma missão, já que não havia vaga para ambos. Em 1928, mais uma mulher foi aprovada por concurso público, e Zorayma de Almeida Rodrigues tornou-se a quarta diplomata do Itamaraty, em um universo de 241 servidores.
Em 1931, ocorreu a Reforma Mello Franco (Decreto nº 19.952, de 15 de janeiro de 1931), a qual excluiu as mulheres da carreira diplomática, limitando-as às funções consulares. Enquanto a carreira diplomática era considerada estratégica, a consular era considerada de menor prestígio. Essa mudança incitou manifestações da líder feminista Bertha Lutz, que chegou a escrever ao presidente Getúlio Vargas contra o tratamento discriminatório recebido pelas diplomatas. No ano seguinte, em 1932, o novo Código Eleitoral concedeu pela primeira vez o direito de voto às mulheres, finalmente reconhecendo a cidadania feminina plena. Apesar desse avanço, as mulheres continuavam a enfrentar obstáculos no serviço público.
Assim como suas colegas, Zorayma Rodrigues foi transferida para a carreira consular e tornou-se a primeira consulesa do Brasil, no prestigioso posto de Liverpool, o mesmo em que serviu o Barão do Rio Branco. Mais tarde, ela foi nomeada cônsul do Brasil em Livorno, assumindo a função em 1945. Apesar de sua trajetória exemplar, sua carreira seria interrompida devido a novas restrições legais à presença feminina no Itamaraty, mais especificamente o Decreto‐lei nº 9.202, de 26 de abril de 1946.
O Decreto nº 24.113, de 12 de abril de 1934, determinou em seu artigo 75, § 3º, que, “no caso de matrimônio entre funcionário e funcionária dos serviços diplomático ou consular, um deles passará para a disponibilidade não remunerada, consoante declaração escrita em que ambos manifestem a preferência do casal sôbre qual dos cônjuges deve ser atingido por essa medida”. Apesar de não haver exigência expressa determinando que a mulher fosse aquela a abrir mão de sua remuneração, o fato é que essa medida afetou as mulheres diplomatas desproporcionalmente.
Em 1938, uma mulher ocupou pela primeira vez o cargo de chefia da Divisão de Atos, Congressos e Conferências Internacionais: Myriam Leonardo Pereira, cônsul de segunda classe e sétima integrante do “Grupos das 20”, assumiu a posição interinamente durante as férias anuais do chefe da Divisão. Naquele mesmo ano, a Reforma Oswaldo Aranha (Decreto‐lei nº 791, de 14/10/1938) fundiu as carreiras diplomática e consular, criando apenas a Carreira de Diplomata. Ademais, o artigo 30 do referido Decreto determinava que somente candidatos do sexo masculino poderiam inscrever-se no concurso de admissão à carreira diplomática. Ou seja, as mulheres estavam formalmente proibidas de ingressarem no Itamaraty a partir daquele momento. Em carta dirigida a Bertha Lutz, Oswaldo Aranha justificava a restrição afirmando que a presença feminina no corpo diplomático causava embaraços para o governo brasileiro, vez que outras nações não estariam tão “adiantadas” quanto o Brasil nesse tema. Para ilustrar seu argumento, Aranha citou uma suposta contrariedade do governo britânico à chefia de Zorayma Rodrigues no consulado de Liverpool.
Por outro lado, a unificação das carreiras diplomática e consular significou o retorno das mulheres que já estavam no Itamaraty às funções diplomáticas - ao menos em tese. Em realidade, as mulheres diplomatas continuavam a ser majoritariamente direcionadas a cargos considerados, naquele momento, como sendo de menor prestígio: os consulares e administrativos.
Em 1945, o Decreto‐lei nº 7.473, de 18 abril de 1945, criou o Instituto Rio Branco (IRBr). Em março do ano seguinte, em 1946, foram publicadas as normas de regimento do instituto. Durante um breve período, surgiu assim uma janela de oportunidade para que mulheres interessadas na carreira diplomática se inscrevessem no processo seletivo, vez que a proibição para o acesso feminino previsto em 1938 não estava mais explícita no regimento do instituto. Após a classificação de 15 mulheres no concurso de 1946, o Decreto‐lei nº 9.202, de 26 de abril de 1946, retomou a reserva completa e expressa das vagas para candidatos do sexo masculino: “No referido curso e na seleção só poderão inscrever‐se brasileiros natos, do sexo masculino, e casados, se o forem, com mulher brasileira nata”.
O mesmo decreto de 1946 previa que, em caso de casamento entre servidores públicos, seria a mulher quem necessariamente deveria pedir exoneração, o que contrastava com a redação do Decreto nº 24.113, de 12 de abril de 1934. Conforme citado anteriormente, uma das diplomatas que perdeu seu cargo em consequência dessa diretiva foi Zorayma Rodrigues, que se casou com um companheiro de carreira em dezembro de 1946. Mesmo que ele ocupasse cargo nível hierárquico inferior, Zorayma Rodrigues foi legalmente obrigada a exonerar-se. Ela tentou recorrer da exoneração diversas vezes, mas sem sucesso.
Em 1952, com a interdição de 1946 ainda vigente, um mandado de segurança permitiu que a candidata Maria Sandra Cordeiro de Mello prestasse as provas daquele ano, e ela acabou aprovada em 12º lugar, tornando-se a primeira mulher a cursar o IRBr. Sua ambição pessoal foi estampada na revista O Cruzeiro, em artigo no qual a futura diplomata expressava o desejo de alcançar o nível hierárquico mais alto da carreira. Todavia, antes de submeter seu pedido ao Judiciário, a aspirante a diplomata havia recorrido ao Legislativo, em especial ao senador Mozart Lago, cuja defesa do acesso feminino às carreiras públicas foi instrumental para fazer avançar a causa das mulheres que pretendiam ingressar no Itamaraty. O pleito feminino ganhava então espaço nas tribunas e nos jornais. A revista Time de junho de 1953 narrou o caso de Maria Sandra de Mello, e diversos impressos brasileiros começavam a debater a revogação do Código Civil de 1916, o qual impunha a submissão da mulher a seu cônjuge.
Finalmente, a Lei nº 2.171, de 18 de janeiro de 1954, declarou o seguinte em seu artigo 1º: “Ao ingresso na classe inicial da carreira de Diplomata são admitidos os brasileiros natos, sem distinção de sexo, nos têrmos e observadas as demais condições do Decreto‐lei de número 9.032, de 6 de março de 1946”. Estava formalmente findada, portanto, a diferenciação entre homens e mulheres no Itamaraty, mas, em termos substantivos, o tratamento diverso persistiu.
Em 1956, Odette de Carvalho e Souza tornou-se a primeira embaixadora de carreira do Brasil e, dois anos depois, em 1958, Dora Alencar de Vasconcellos tornou-se a primeira mulher a chefiar o consulado-geral do Brasil em Nova York. Ambas compuseram o “Grupo das 20”, o qual inclui as dezenove mulheres que ingressaram no Itamaraty entre 1918 e 1938, juntamente com Maria José Monteiro de Carvalho, que ingressou em 1945. Dessas vinte, apenas três alcançaram o topo da carreira: Odette de Carvalho e Souza em 1956, Dora Alencar de Vasconcellos em 1964 e Lourdes de Vincenzi em 1972.
Apesar do avanço formalizado pela lei de 1954, a progressão feminina dentro do Itamaraty continuou a ser afetada por normativas discriminatórias. Exemplo da continuada discriminação foi a emergência do instituto da “agregação”, por meio do Decreto‐lei nº 69, promulgado em 21 de novembro de 1966. Tal norma determinava que, em caso de remoção de companheiro diplomata para o exterior, o outro diplomata do casal deveria solicitar “afastamento do exercício do cargo para acompanhar o cônjuge”. Como efeito desse afastamento, o servidor “agregado” perdia o direito à retribuição, à contagem de tempo de serviço e à promoção. Apesar de não prever expressamente a aplicação do instituto às mulheres, elas foram majoritariamente afetadas e tiveram suas carreiras abreviadas como consequência. Maria Sandra de Mello foi uma das atingidas pela normativa, ao casar-se com José Augusto de Macedo‐Soares, embaixador brasileiro na Turquia. Somente em 1973, em decorrência da Lei nº 5.887, de 31 de maio daquele ano, o tempo de afastamento como agregado passou a contar como tempo de efetivo exercício para aposentadoria e promoção.
Em 1978, Mônica de Menezes Campos tornou-se a primeira mulher negra diplomata do serviço exterior brasileiro, e seu ingresso na carreira foi amplamente difundido em jornais da época.
No ano de 1985, em meio ao processo de redemocratização do país, o Decreto‐lei nº 2.234, de 23 de janeiro, determinou que casais de diplomatas poderiam ser removidos para o mesmo posto no exterior. Todavia, o texto criava uma distinção, pois apenas um dos cônjuges poderia receber a Indenização de Representação no Exterior (IREX). Vez que tal indenização corresponde a parte importante do salário de funcionário do Itamaraty no exterior, o resultado era que um dos diplomatas no casal (quase sempre a mulher) acabaria percebendo vencimentos ao menos 40% inferiores pelo desempenho da mesma função. A equidade salarial entre cônjuges diplomatas somente foi alcançada em 1996.
Em 1987, o Instituto Rio Branco teve sua primeira mulher como diretora, na figura da embaixadora Thereza Quintella, que se dedicou a papel histórico da mulher na diplomacia brasileira.
A partir dos anos 2000, as mulheres conseguiram ocupar um espaço gradativamente mais amplo dentro do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Respondendo a pressões da classe, a gestão do ex-chanceler Celso Amorim (2003-2011) instituiu uma política informal de quotas para mulheres nos níveis mais altos da carreira, o que resultou em um importante incremento na participação feminina entre os ministros de primeira classe (de 10% para 29%). Contudo, a falta de instrumentos formais que garantissem a equidade nos fluxos de promoção significou reversão dessa política em gestões subsequentes.